À hora marcada, Mauro Remiddi, o italiano de Roma sediado em Londres e mentor do projecto dream-pop Porcelain Raft, já pisava o palco do Lux.
Sozinho em palco o músico desfilou algumas das canções do seu longa-duração de estreia Strange Weekend (em escuta integral aqui) como “Put Me to Sleep”, “Unless You Speak From Your Heart” ou “Tip of Your Tongue”. Munido de uma guitarra e uma mesa de sons, o Remiddi encheu a pista do club de Santa Apolónia com o seu falsete açucarado e as suas baladas frágeis de pop nostálgica e sonhadora, cobrindo o chão com uma fina camada de synths vaporosos que prepararam o público para um ambiente de pura descontracção. Mas mal sabíamos o que nos esperava em M83.
O palco estava literalmente lotado de instrumentos e a parte lateral do Lux parecia mais um armazém, do que uma pista de dança. A confusão fazia antever um espectáculo bem construído, preparado ao milímetro, das luzes ao mais ínfimo pormenor sonoro. O concerto começou com “Intro” do incrível novo álbum Hurry Up, We’re Dreaming, com a teclista Morgan Kibby a substituir os vocais originais de Zola Jesus. Uma entrada épica pintada por um cenário que lembrava uma galáxia e que nos pôs todos à deriva. Um som selvagem, como uma onda gigante que pintava as paredes coloridas de azul e vermelho.
A nostálgica “Teen Angst”, de Before The Dawn Heals Us, começou a desfilar pelos ouvidos de todos os que encheram aquela sala, num som imenso, imerso em reverb, distorções e ecos que se sobrepunham propositadamente às vozes de Anthony Gonzalez e Morgan Kibby. Nos teclados e na bateria electrónica estava um performer imparável, energético. A acompanhar baterias que estouravam como bombas, guitarras gritantes e synths disparados em todas as direcções.
Anthony Gonzales, natural de Antibes, com um toquezinho francês no sotaque fala pela primeira vez ao público lisboeta: “Hello Lisbonne”. Contrasta uma imagem feroz na guitarra eléctrica e mestria nas rédeas da mesa de sons com um lado amistoso e envergonhado quando fala com o público em histeria.
O namoro entre Anthony e o público continuou com uma visita ao aclamado Saturdays = Youth, com “Graveyard Girl” e extendeu-se à apresentação do novo single “Reunion”, que nos deixou aquecer as vozes pela primeira vez. Gritou-se “Ohh, ohhh, ohh” e bateu-se o pé num passo lento, enquanto a Morgan Kibby nos sussurava “”My body is like a lighting rod, capsize me and douse me in your bay. A shiver of want always… When you are on the tip of my tongue”.
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Os temas de M83 parecem-nos épicos, universais, enormes e retro-futuristas. Uma revisão da década de 80 em 2020. Como a “Sitting”, que se seguiu. E de lá caminhamos para a “We Own The Sky”, a mais bonita história de amor de M83. Com uns sintetizadores apaixonados, dramáticos, cinematográficos, capazes de encher estádios, que lembram histórias de Verão dos anos 80 ou filmes como o “Drive”, em versão querida. À boleia seguimos para mais um romance, o de «Steve McQueen» e dali para “Fall”, uma grandiosa cover dos lendários Daft Punk que ainda hoje está a fazer um zumbido nos nossos ouvidos.
Esta «Fall» a la M83 é uma força da natureza. Uma explosão de distorção, rapidez. Um interlúdio com electrónica de jogo de computador que nos atirou para o interior do Tron e de universos paralelos espaciais, que pararam com a brusquidão e a secura desértica do silêncio absoluto. Assim como um soca no estômago sem pedir licença. Dez pontos para M83, nesta paragem, neste baque emocional, nesta viagem que atingiu o seu natural climax em “Midnight City”. Viu-se que Anthony gosta do que faz, que mergulha no som que projecto, que nos empresta, sem dar, um pouco do que é, do que faz enquanto grita em plenos pulmões “The city is my church”.
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E nós agradecemos, batemos umas palmas rápidas num encore demasiado breve, que mal foi notado. Mas quem é que quer saber? Eles voltaram, quiseram mais, nós quisémos mais. E deram-nos uma desculpa para dançar um slow, agarrados em corpo ou mente à nossa própria história de amor, a ouvir “Skin of The Night” e a fazer dela o nosso momento “oohh” do dia. E porque tudo o que é bom acaba, M83 acabou num último salto, num último passo de dança, com “Couleurs” em apoteótica despedida.
No final perguntaram-nos se não havia encore. Já tinha havido. Mas nestas bandas, o encore nunca acaba. Fica para sempre preso nos ouvidos.
Tracklist:
Intro
Teen Angst
Graveyard Girl
Reunion
Sitting
Year One, One UFO
We Own The Sky
Steve McQueen
Fall (Daft Punk cover)
This Bright Flash
Midnight City
A Guitar and a Heart
Encore:
Skin of The Night
Couleurs
Texto: Miguel Leite e Pedro Lima
Fotos: Miguel Leite
