A Punch é uma tirana. Pediu-me para escrever sobre o novo álbum de Gotye não da perspectiva da saída do álbum mas da perspectiva “viagem ao mundo Gotye”. Perante isto, imagine-se a responsabilidade. E a expectativa. Meu Deus, a expectativa.
Após me martirizar um bocado com a ideia, lá coloquei mãos à obra.
Primeiro, a pergunta que se impõe. O que é Gotye? A resposta: não sei. Ou melhor, consigo esboçar uma ideia.
É um tipo, Wouter De Backer de seu nome, belga de nacionalidade e australiano de coração. Ok, até aqui tudo bem. Para mais informações do género, é googlar o nome e todo um manancial de respostas surgirá desse fabuloso advento que é a world wide web.
Mas a pergunta que se (me) impunha era o que é Gotye em termos musicais. Ouvi o álbum Making Mirrors over and over: no banho, a fazer as corriqueiras tarefas diárias, a navegar pelo advento acima evocado… raios, estou a ouvi-lo enquanto escrevo estas linhas! E assim de repente chega-me sempre à cabeça uma mistura estranha entre Mika e The Police. Já regresso a este pensamento, para que os puristas possam querer assassinar-me de forma devidamente fundamentada.
Mas antes… porque é que temos sempre tendência para avaliar (categorizar) algo segundo parâmetros já definidos antes? Porque é que, noventa por cento do tempo, pensamos em algo como “o novo qualquer coisa”? E porque é que, tendo eu consciência disso, não o consigo evitar? Há coisas que chateiam!
Voltando à blasfémia de equiparar Gotye a Mika e the Police (juntos, ainda por cima), vou tentar justificar a minha ridicularidade.
Mika porque, em “Somebody That I Used To Know”, não me lixem, mas há ali uma sonoridade a atirar para o delicodoce-esganiçanço-que-puxado-ao-extremo-até-consegue-um-efeito-viciante. Fiz-me entender? Bem me parecia que não. Mas foi precisamente a primeira comparação que fiz: Gotye parecido com Mika.
The Police porque é mesmo parecido! Há ali bocados do Sting um pouco por todo o disco, deste a introdução que baptiza o álbum até “In Your Light”. Inclusivamente (ou especialmente) em “Somebody That I Used to Know”.
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O álbum volta a renascer com um remix bem esgalhado do single e, depois, uma parte nova. A partir de “State of the Art” começamos a assistir a um experimentalismo delicioso. Primeiro com algo a soar ao dub dos Slightly Stoopid e depois com duas músicas seguidas (“Don’t Worry We’ll Be Watching You” e ”Giving Me A Chance”) que podiam perfeitamente fazer parte de um daqueles álbuns Zen, para quando vamos de férias para o monte. A bizarro-cativante voz de Gotye surge para fechar com chave de ouro, em “Save Me”, como que a pedir ao ouvinte que o ajude a terminar aquela descoberta de si próprio. Em “Bronte” tudo está bem e – de repente – existe vontade de voltar a ouvir mais. Se lhe resistirmos, permanece uma sensação de paz perfeita para irmos para a cama a pensar na vida e em todos os fait-divers que lhe são inerentes.
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A Punch vai ficar desiludida. Isto é tudo menos o que o título indica (e o que me pediram). Mas como leitor, era o que eu procuraria saber de Gotye. O problema é que eu sou suspeito, por ser tendencioso ao ponto de gostar do que escrevo.
Ricardo Quintela
