Por Ricardo Quintela

“Wally” De Backer, nascido na Bélgica, 31 anos, vive na Austrália desde os 2. Ou então… Gotye, responsável por um dos mais recentes hits mundiais, Somebody That I Used To Know.

A Punch esteve à conversa por telefone com o artista e abordou vários temas.

 

Aqui segue a entrevista, por escrito.

Punch: Estive a ler o teu site oficial e a biografia que escreveste para lá. És sempre assim tão divertido e criativo a escrever?

Gotye: Tu lês tantas biografias sérias, ou que te tentam falar da música… que acaba por ser sempre a mesma coisa e que nunca te dão uma noção exacta da experiência que é ouvir música. Portanto acho que brincar com o assunto é uma boa solução. É também uma tentativa de injectar algum humor, já que este último álbum é um bocado introspectivo, melancólico. Até acho que no futuro também quero fazer umas coisas parvas a nível musical.

Punch: Tens sido muito comparado a Sting e a Peter Gabriel…

Gotye: É bastante lisonjeiro… são grandes artistas… sou um fã dos dois…

Punch: estás a ser diplomático, certo?

Gotye: Sim, acho que sim. Mas eles são artistas mais velhos, com uma música mais adulta. O que eu tento fazer é o meu trabalho, algo que consiga resistir ao teste temporal … que por acaso até cruza muitas referências dos anos 60, 70 e 80… não sei… acho que acaba por ser uma comparação superficial, só porque não existem muitos cantores pop com um frequência de voz tão grave, que saia tanto do peito. É uma comparação óbvia, mas não deixa de ser lisonjeiro.

Punch: Numa crítica que te fiz aqui para a Punch, cheguei a comparar-te a Mika. Queres-me matar?

Gotye: (a rir) Mika? Ui… não sei…

Punch: Por causa desse tom de voz grave que os dois têm…

Gotye: Acho que preferia a comparação anterior… ouço muita coisa dele, algumas até ficam no ouvido, mas acho que não temos muito a ver, espero.

Punch: E quais são as tuas principais inspirações no mundo da música?

Gotye: Acho que Kate Bush… DJ Shadow, que é um dos grandes… The Avalanches… Godley & Creme, eles antes faziam parte dos 10cc, que me influenciaram muito com os vídeos que fizeram nos anos 80… há uns quantos… os KLF, ouvia bastante KLF e Depeche Mode, quando era adolescente, portanto têm uma grande influência.

Punch: Kate Bush? Isso é surpreendente, não estava nada à espera.

Gotye: A sério? Acho que a canção Save Me, deste álbum, é a que tem um pouco de Kate Bush, para mim. Sim, sou um grande fã da música e das produções dela, acho que o que ela fez em meados dá década de 80 é do melhor que há.

Punch: Sendo este o seu terceiro álbum de estúdio, o que é que mudou desde Boardface, o primeiro álbum?

Gotye: Desde o Boardface? Acho que andei à procura de mais sons, toco mais instrumentos, viajei mais à procura de sons e gravei muita mais coisa em viagem do que nesse álbum… usei uma banda, como é possível ver num documentário que fiz sobre a produção deste álbum, usei instrumentos antigos que comprei em antiquários… acho que o material é definitivamente mais conciso, mais directo, esforço mais a minha voz… lembro-me que em Boardface era mais estilo Massive Attack, em que haviam alguns vocalistas e produtores convidados a ajudar ao processo. Depois, no segundo álbum, Like Drawing Blood, tornou-se uma coisa mais pessoal, um projecto em que era eu a fazer tudo.

Punch: Já admitiste antes que o facto de andares em digressão te prejudica em termos de processo criativo. Consideras-te mais um artista de estúdio, em vez do chamado animal de palco?

Gotye: Eu gosto de andar em digressão, mas acho que não sou capaz de ter ideias enquanto ando a dar espectáculos.

Punch: E como funcionas em termos de processo criativo?

Gotye: Ouço muita coisa, colecciono muitos sons e faço muitas experiências antes de as ideias de musicais sequer inspirarem a melodia em si e da canção começar. Acho que a música é que acaba por definir as letras depois… tenho mais ideias em termos instrumentais, crio a música primeiro, ou pelo menos uma parte da melodia e depois a letra começa a sugerir-se sozinha. Depois começam a complementar-se e permite-me criar a canção.

Punch: Os teus videoclips são todos animados, um pouco à semelhança de Gorillaz e Daft Punk. Porquê? 

Gotye: Sim, é verdade, mas o conceito deles é muito forte, por serem bandas animadas. Para mim é apenas porque gosto de animação e tenho a sorte de conhecer vários realizadores e animadores australianos que fazem um trabalho incrível… acho que uso a animação porque muita da música que faço é mais evasiva, não tão baseada no mundo real… e é óbvio que com a tecnologia de hoje em dia também já é possível criar coisas incríveis com pessoas de carne e osso, que nem parecem do mundo real. Mas… não sei… acho que o material de animação acaba por ser mais mágico, que é como eu quero que a minha música soe.

Punch: Li que quase eliminaste o hit mundial Somebody That I Used To Know, durante o processo criativo. Porquê?

Gotye: Acho que fiquei muito cansado e frustrado na altura em que a estava a acabar. Porque encontrar a vocalista feminina certa demorou muito tempo. E ter a mistura e batida certa também demorou muito tempo. E houve momentos em que eu pensei que se calhar era demasiado difícil, talvez a canção não estivesse destinada a existir… e depois estava a atrasar todo o processo de finalização do álbum. Estava ansioso, acho.

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Punch: A letra é pessoal?

Gotye: É pessoal, mas não é baseada apenas numa relação, é mais baseada em memórias e vários momentos de relações diferentes.

Para mim, apesar da canção – que é cantada por mim e pela Kimbra – sugerir o fim de uma relação, acaba por fazê-lo num sentido mais abrangente. É sobre aquela confusão que fica no final, aqueles sentimentos que vão e vêm depois do fim de uma relação… e aquelas memórias que existem, que podem ser muito confusas e pouco confiáveis, em relação ao que sentíamos antes e o que sentimos agora. Para mim é mais sobre toda essa confusão que surge no final… sim!

Punch: E não estavas mesmo à espera disto, pois não? Do sucesso mundial com esta canção?

Gotye: Sim, não estava à espera de receber telefonemas de Portugal, por exemplo, ou da Polónia. Mas sim, tem sido tudo muito confuso e rápido, se pensarmos que ainda há menos de um ano estava a tentar acabar o álbum… é fantástico!

Punch: E sobre o futuro?

Gotye: O futuro? Bem, vou dar mais espectáculos este ano, espero desenvolver esta performance e espero também colaborar com alguns produtores interessantes a quem tenho sido apresentado e com quem tenho andado a falar e depois espero começar a procurar direcções para material novo.

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