Ontem à noite, no teatro Maria Matos, Rui Carvalho ofereceu-nos, não!, atirou-nos e arrebatou-nos com as notas que saíram disparadas de si próprio, que é como quem diz, da sua guitarra.

Mas foi mesmo Filho da Mãe porque logo ao início, e dada a sua inabilidade para desenhar barcos e a sua incontestável habilidade para desenhar notas, transformou a sala esgotada do Maria Matos num exército de pares de ouvidos com aquele primeiro tema suave mas veloz.

E a sacanice continuou, é preciso que se veja. Rui pode (e parece) ser muito tímido em palco, mas apenas no que toca a palavras faladas. A língua dele também é outra, é de outro tipo. Não se podia esperar outra coisa. Agora, no que se refere ao objectivo que o leva a pisar um palco, não se lhe encontra uma pinga de vergonha, sobretudo na forma como interage com a guitarra, dedilhando-a de mansinho depois de umas valentes pancadas.

E as canções vieram por aí a fora, num crescendo de pouca vergonha daquela que dá gosto ver e ouvir. Com “Quis não quis”, a curiosidade aumentou: até onde é possível levar esta fúria no som e no tocar? Qual é o limite? A resposta parecia ser sempre o tema seguinte. E nisto chegamos a “Vaca Velha”, onde o espectáculo se torna mais visual que nunca, em que Rui pratica uma espécie de malabarismo frenético com a guitarra nas mãos e uma série de pedais nos pés, numa coreografia ritmada que, se houvesse bocas naquele exército nenhuma estaria fechada. Mas a limitação estava mesmo do nosso lado, estávamos limitados a sermos ouvidos.

Ao som de “Helena aquática”, pessoalmente, parei de me interrogar sobre a existência de tal limite em Filho da Mãe. Ainda bem, uma vez que para a última parte do concerto esperava-nos ainda a entrada de 5 convidados em palco: João Nogueira, Makoto Yagyu, João Shela, Hélio Morais e Cláudia Guerreiro. O resultado foi orquestral, com apenas três guitarras, um baixo, um teclado e uma bateria e no fim, libertámo-nos dos nossos ouvidos e aplaudimos de pé o Filho da Mãe que nos acorrentou.

Alinhamento

  • “Não sei desenhar barcos”
  • “Eusébio no deserto”
  • Quis não quis”
  • “Encontrei os teus dentes”
  • “Sobretudo”
  • “Pomada 1”
  • Tema sem título
  • “Vem devagar (leva tudo)”
  • “Vaca velha”
  • “Helena aquática”
  • “Talento hepático”
  • “De prego em prego, de pé em pé”
  • “Fazer para desistir”
  • Tema sem título

Texto: Filipa Leite Rosa
Fotografias: Rodrigo Vargas

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