When I was a kid I had singing classes. My teacher told me to sing a note, I failed the tone and she ignored me and asked for the next kid. Everyone was told to be something. At the school theatre I wanted to be the tree, but they told me to be the star. Years later I became a teacher and on the plays I organized no one wanted to be Peter Pan… So I made a piece with ten Captains Hook. (Merrill Beth Nisker – Peaches)

Depois de ter sido acordado pelo check-out e de ter ido almoçar pelo centro de Amesterdão, sentei-me num sofá no hotel a escrever a entrevista que tinha feito na noite anterior à Peaches. Estou já na terceira pergunta quando levanto os olhos e vejo-a, já sem maquilhagem, vestidos extravagantes ou pestanas espampanantes. Estava ali à minha frente a Peaches, mulher, pessoa, igual a mim, igual a nós. Com um sorriso na cara e simpática falou-me e sentou-se ao meu lado.

Coincidência das coincidências, íamos os dois para o aeroporto e no mesmo táxi. Naquela altura o meu cérebro se tivesse mãos tinha começado a bater palminhas. Sorte da vida, ia ter 20 minutos de conversa com a Peaches, daqueles que nenhum assessor de imprensa nos consegue arranjar. Começámos a falar, contei-lhe como é que a Punch nasceu, como é que está a scene em Lisboa e no Porto e começámos a falar sobre os 20 anos dela, quanto tudo começou.

Contou-me que em 87 tinha uma namorada que tocava guitarra numa pequena banda em Toronto.  Com ela começou a aprender a dar uns toques e em pouco tempo estava a fazer experiências num bar canadiano. Os donos gostaram e começou a tocar todas as semanas. Ao mesmo tempo andava à procura de um dinheiro extra e começou a trabalhar num centro de tempos livres, com miúdos de 6 e 7 anos. Era a professora fixe, divertida, que levava a guitarra e organizava peças de teatro.

Na altura teve de fazer uma peça sobre o Peter Pan e ninguém quis ser o Peter Pan. Fez a peça com dez miúdos a fazer de Capitão Gancho. Não dizia a nenhum deles quem devia ser ou o que devia fazer e aquilo acabou por conquistar pais e professores. Acabou a dar aulas a professores, sem curso, nada. Deu-lhes a primeira lição: não impeças alguém de ser o que é, porque vai sê-lo mais ainda.

A namorada, deixou de ser namorada. As peças, duraram dez anos e acabaram quando a Merril decidiu comprar um sintetizador que trazia efeitos e drum pad incluído.

Em 1995 fez um primeiro disco, mas a Peaches e as suas lições iam começar só no ano de 2000, com o disco Teaches of Peaches, cru, genuíno, violento, forte, verdadeiro, daqueles discos que marcaram uma década. Falámos sobre esse disco, sobre as letras, sobre o facto de que a única coisa que a Peaches quer, é que cada um faça o que quer.

Agora os miúdos tinham crescido mas continuavam a ouvir o que deviam fazer. Não sejas bissexual, não sejas homossexual, porta-te bem, faz sexo assim, faz sexo assado, não faças isto, não faças aquilo. Isto é o certo, isto é o errado. Os homens têm de ser fortes, as mulheres têm de ser princesas. Bullshit. Se és mulher e queres andar de pelos nos braços andas, se queres pôr um piercing no mamilo põe, se queres ser um homem querido força, se queres ser todo direitinho sê.

Doze anos depois está ali em pé ao meu lado já no check-in. Pediu-me o mail e lá seguimos cada um para seu lado. Pus-me a andar e a pensar em Portugal. A pensar como é que ainda há há tanta gente que acha que devemos ser Peter Pan. Já ninguém quer ser Peter Pan.

Texto: Miguel Leite
Fotografia: Hilfiger Denim 

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