Os tempos da pandemia são estranhos e até os concertos têm de se adaptar às novas normas vigentes para os espaços com programação cultural. Imaginar um concerto rock ao meio-dia é tremendamente assustador e também pode dar origem a efeitos surpresa, mas já lá vamos. O dia é anunciado como o mais quente do ano, o espaço para receber o concerto é o terraço da Casa do Capitão, na zona oriental de Lisboa, o artista é Chinaskee e o motivo é a apresentação do seu mais recente longa duração chamado ‘Bochechas’.

Está muito calor, de facto, quando chegamos ao espaço para assistir ao concerto. Dirigem-nos para uma das mesas – agora não é possível encher o espaço com as mais de duas centenas de pessoas, que certamente caberiam naquele espaço sem as restrições actuais – e sentamo-nos ordeiramente. O concerto começa com um ligeiro atraso e é ao som de uma canção japonesa que a banda entra no palco, toda vestida de vermelho da cabeça aos pés. Contamos quatro elementos: Ricardo Oliveira na bateria (anunciado mais tarde como Dave Grohl), Inês Matos (Inóspita) no baixo e coros, Bernardo Ramos na guitarra solo e coros e Miguel Gomes (Chinaskee) na guitarra ritmo e voz principal.

É com “Popular” que o espectáculo inicia, uma das canções do disco que vai ser apresentado ao vivo e é de uma forma veloz que a banda começa a desfilar o seu rock de garagem, tão polido quanto ruidoso – apesar do limitador de decibéis, obrigatório para concertos ao ar livre nestes espaços. A banda não descarrila, está extremamente bem ensaiada, é ao ritmo incessante da bateria e com o pulsar do baixo que as guitarras se entrelaçam e comunicam. A voz principal fica misturada no meio do som dos instrumentos e os coros surgem fiéis às canções do disco, muito bem produzido por Filipe Sambado. E é ao som dessas canções que o concerto continua por entre o calor quase extremo.

Conseguimos identificar muitas músicas do álbum, além da já mencionada “Popular”, no disco cantada com Vaiapraia, que fizeram parte do alinhamento: “Quero-te Ver”, “Desanimado” (que vai passando na rádio, como Chinaskee a anunciou), “Edredom”, entre outras que vamos destacar! Começar pela “Bochechas”, onde Chinaskee acalma o ritmo inicial do concerto para cantar a solo a primeira parte da canção para a meio começarem a entrar os restantes instrumentos, a mais romântica do disco. Depois a “Mobília”, em que Manel Lourenço, também conhecido como Primeira Dama, invade o palco para ajudar nos coros. No fim da canção há um abraço fraterno entre ele e o líder da banda. Segue-se a versão de “Gaja”, original de Sambado, aqui apresentada num registo bem mais barulhento. Por fim a “Dragões”, mais uma que vai passando na rádio, em que o destaque vai para o ritmo imparável de Ricardo Oliveira na bateria e para a repetição das frases melodiosas por parte de Chinaskee.

O encore é simulado por Chinaskee, sentado à beira do palco, a imaginar e a descrever-nos como seria a saída dos músicos do palco com um vídeo a passar por trás da banda, numa sala escura e bem mais cheia, acrescentamos nós, com a banda a receber uma longa ovação para regressar. Isso não chegou a acontecer realmente, mas a verdade com que Chinaskee nos fala é surpreendente e se fechássemos os olhos seria bem fácil imaginar esse cenário. O concerto termina com três canções: “Dia de Praia” e “Assim Assim”, duas canções de discos anteriores e recuperadas para este concerto, e “Mais Atenção”, a canção mais curta e rápida do ‘Bochechas’. A primeira referida é uma canção que rouba os acordes à “Wicked Game” de Chris Isaak e conta a história de um rapaz apaixonado pela sua cidade e pelo seu país, a segunda tem aquele ritmo meio reggae que nos faz ondular nas cadeiras e a terceira é punk rock a abrir como deve ser para terminar em beleza.

É difícil não pensar como seria assistir a este concerto com outras condições, tal como no “sonho” descrito por Chinaskee aquando o encore. No entanto, a competência da banda e a força das canções não impediram de chegarmos ao fim com a sede saciada de um óptimo concerto rock. Os amigos e a família aplaudiram, os fãs também e a banda chegou ao fim de caras bem vermelhas e suadas, reflexo da entrega ao concerto. Por isso, é com esperança que chegamos ao fim do primeiro concerto desta nova fase de Chinaskee: temos novo nome de relevo no rock nacional e com potencial para “partir” muitos palcos por esse país fora. Só precisamos que esta maldita pandemia termine e os tempos voltem a ser como já foram! A seguir montou-se o palco para o DJ set d’O Gato Mariano e saímos com uma grande certeza: foi do róque! E quanto ao calor? Nada que um bom par de cervejas bem frescas não resolvam.

Texto: Emanuel de Andrade

Fotografia: Isabela Pereira