Há cerca de um ano e meio, Pedro de Tróia tinha marcado o concerto de lançamento do seu primeiro disco a solo, ‘Depois Logo Se Vê’, para meados de Março, no Musicbox, em Lisboa. Porém a pandemia e a entrada em vigor de normas restritivas à convivência social e aproximação física trataram de adiar essa apresentação. Este evento acabou por acontecer em Setembro do ano passado, no terraço da Casa do Capitão e com as restrições que vigoraram até há pouco tempo.

O disco acabou por ser editado, no entanto sem a possibilidade de ser tocado ao vivo no momento certo. Pode dizer-se que Tróia foi directamente afectado pela pandemia que nos afectou a todos. Seria então necessária uma decisão quanto ao rumo a dar a uma carreira que principiava, e desse modo o artista redobrou a vontade e colocou-se em campo de forma a editar um novo disco no ano seguinte ao lançamento do primeiro. E assim nasceu ‘Tinha de Ser Assim’, o segundo disco a solo de Pedro de Tróia.

Existem diferenças entre os dois álbuns, a começar logo pelo nome: se o primeiro indica um desejo, o segundo indica uma profecia. Não por acaso, é dito na primeira canção “desejo é diferente de euforia”, tal como profecia também é. É muito difícil fugirmos ao nosso próprio destino, e o destino do Pedro de Tróia é imaginar canções e cantá-las. É tão assim, que não é difícil imaginar o PdT (Pedro de Tróia) como o MEC (Miguel Esteves Cardoso) da nossa geração da escrita de canções. Oiça-se “Gosto Tanto de Ti” e o seu refrão açucarado, feito de reboco de parede, ou “Carrossel” com Rui Reininho e os seus versos auto confessionais. Os dois primeiros singles do disco prenunciaram logo um novo foco nesta fase tão crucial de um artista emergente: são ambos fáceis de cantar, têm boas melodias, letras criativas, e são duas canções ritmadas e extremamente radiofónicas. Claro que ficam a dever muito aos anos oitenta e à banda anterior de Tróia, Os Capitães da Areia, mas têm também o condão de serem pop actual indie, feita sem os grilhões de uma editora maior. Diga-se, já agora, que o Pedro nem precisaria do Reininho na canção, contudo entende-se a homenagem e o testemunho que quer receber.

Com a devida distância, pode-se afirmar que Pedro de Tróia é já uma referência na escrita de canções em português, porque tem tudo o que é preciso: carisma, verve, consciência, arrebatamento, coragem e vocação. Sabe também rodear-se das pessoas certas; Tiago Brito, o produtor e ex-Capitão, é peça fundamental neste álbum na sua paleta synth-pop. Oiça-se a declaração de amor sincera em “Dor no Ombro”, uma balada certeira para corações empedernidos. Ou a primeira canção do disco, “Namorada”, e as suas ondas que furam o espírito de qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade.

No entanto, talvez seja na segunda metade do disco que fica aquela impressão definitiva que há aqui muito talento, com temas como “Passarinho” e “Mãe”. As referências aos Heróis do Mar estão lá todas, o pássaro vermelho e a mãe, mas Tróia pega nesses códigos e torna-os próprios, mostrando aquela estética pueril e inocente sobre ritmos quebrados e construções de harmonias de quem está atento aos novos ventos e mantém, ao mesmo tempo, a sua génese primária, que pudemos acompanhar n’Os Capitães da Areia e no primeiro disco de Ciclo Preparatório, por exemplo. Em “Ballet”, talvez o momento menos polido de um disco surpreendente, podemos ouvir as últimas declarações de um bailarino que não sabe dançar, mas sabe observar bem e escrever canções ainda melhor. Menção honrosa para as dobras constantes da voz de Rita Laranjeira nos refrães de muitas delas.

“Não Te Vou Deixar Para Trás” encerra o disco de forma baladeira, com mais uma confissão profética por parte do autor, que aqui se apresenta despojado como no primeiro álbum, mas sem dúvida mais coeso e incisivo, abordando temas mais universais e menos biográficos. Será impossível prever qual será o futuro deste pequeno grande artista, sabemos porém uma coisa: quem não o escutar estará, seguramente, a passar ao lado de uma das almas mais fascinantes e criativas deste tempo que vivemos. Tenho, portanto, uma profecia a fazer: daqui a muitos anos, quando já formos mais velhos e olharmos para trás, vamos recordar este tempo actual, confuso e pós-pandémico, e alguém imaginará uma bola de neve com dois dançarinos, que se agita para vê-la a cair e viveremos um sonho onde cabem todos os sonhos e o disco que vai estar a tocar chamar-se-á ‘Tinha de Ser Assim’. E por um breve momento já ninguém se lembrará do que todos passámos durante dezoito meses das nossas vidas.

Nota: 8.7/10

Emanuel de Andrade