Conta-me uma canção - David Fonseca + Rita Redshoes

O projecto “Conta-me uma canção” nasceu no ano transacto, com um conjunto de gravações intimistas disponibilizadas no YouTube, que emparelharam artistas nacionais consagrados. Nestas, para além de termos oportunidade de os ver interpretar canções do seu par, observamos conversas descontraídas, carregadas de empatia e admiração mútuas. Oito destes artistas foram desafiados a continuar este projecto em palco, na acolhedora sala do teatro Maria Matos, em Lisboa: Benjamim+ Samuel Úria, Mafalda Veiga + Joana Espadinha, A Garota Não + Sérgio Godinho, Rita Redshoes + David Fonseca.

A derradeira noite de encontros “Conta-me uma canção” aconteceu no dia 13 de Fevereiro, pelas 21h, reunindo em palco David Fonseca e Rita Redshoes, durante quase duas horas. Estes dois amigos de longa data avisaram-nos logo que o tempo de conversa tenderia a ganhar ao de canções, tal é a quantidade de histórias que têm em comum – acreditamos que isto se tenha verificado e, pela ternura e empatia mútua com que as contaram, fez todo o sentido que assim fosse.

A história de Rita e David começou há cerca de 20 anos, quando ele a convidou para tocar piano na sua banda. Rita, que tinha integrado previamente os Atomic Bees, precisou de ouvir o álbum para ponderar e decidir – e assim se viu David, na casa dos pais de Rita, a proporcionar a audição que selou o início desta bonita amizade.

Ao longo do concerto ouvimos falar de várias casas que viram nascer melodias e canções: a da avó de David, em Peniche, a de David, a de Rita (e dos seus gatos), as perdidas neste país entre estrada para concertos. Relembraram companheiros de estúdio e de estrada. Confessaram-nos que a letra e a música surgem de forma simultânea e um tanto atribulada, sem pré-aviso, nos processos criativos de ambos. Percebeu-se a sua sensibilidade na dedicação aos gestos e à fotografia, na elaboração dos vídeos que escolhem para acompanhar as canções. A fotogenia neste concerto talvez seja reflexo disso.

Conta-me uma canção - David Fonseca + Rita Redshoes

Quanto a canções, David abriu caminho com “Chama-me que eu vou”, escolhida por Rita Pereira (Redshoes), contando-nos que o tentaram demover do título desta música por ser próximo de “Me chama que eu vou”, uma música brasileira. A de David trata da incerteza das relações, que entendemos ser uma descrição adequada à maioria das canções que acabaríamos por ouvir nesta noite.

Nas dez canções que partilharam com o público, os músicos dividiram-se essencialmente ente o piano e a guitarra, recorrendo pontualmente ao omnichord (Rita) ou a samplers (David). As canções apresentaram-se em versões descontruídas, mais curtas, despidas dos instrumentos que caracterizam as versões de estúdio. Brindaram-nos com vários recomeços de forma bem-disposta, dividindo-se sobre se este concerto superaria ou não o ensaio, e até sobre se estaríamos a assistir a um concerto ou a uma comédia. O público sorria, ciente da empatia rara a que assistia – e também da competência tanto de David, como de Rita, tanto no piano como na guitarra, por mais que nos tentassem convencer do contrário.

Destacamos “Kiss me, oh kiss me” (de David), “Mulher” (de Rita) e “Down by the water” (de PJ Harvey). A primeira fez-nos viajar no tempo, a segunda arrepiou-nos e, a propósito da terceira, aprendemos que os Silence 4 fecharam uma noite de festival Sudoeste com Placebo, PJ Harvey e Portishead. A reinterpretação do original de PJ Harvey, dividida entre o piano de Rita e o sampler de David, demonstrou a devoção que ambos têm a PJ. Esta canção antecederia o encore (ou contracto social de retorno, como o designaram), com “Hold still”, a canção do desencontro que encontra as vozes de ambos.

Texto: Andreia Duarte
Fotografia: Joana Viana (@jo_viana)