Em 1809 centenas de soldados em nome de Napoleão Bonaparte tentaram invadir a grandiosa cidade do Porto. Duzentos e sete anos depois foram centenas de festivaleiros em nome da música a invadirem o Parque da Cidade em Matosinhos e com muito mais sucesso. O primeiro festival da época de Verão apesar de ter nome da estação antecedente foi nos dias 9 – 11 de Junho e ainda nos custa acreditar no que aconteceu.
O primeiro dia arrancou com os Sensible Soccers que subiram a palco com os últimos raios de sol do dia num concerto justo para a abertura das festividades. As U.S Girls seguiram-se e enfrentaram os primeiros pingos de chuva mas ninguém arredou pé na plateia, a menos que fosse para ir à cerveja ou para dar um pézinho de dança. Seguiram-se os Wild Nothing, Deerhunter e a adorável Julia Holter separados pelos palcos do recinto, um trio que ajudou a aquecer a noite fresca que se avizinhava. À frente do palco principal reunia-se a maior parte dos festivaleiros que esperavam ansiosamente pelos islandeses Sigur Rós. Olhos postos no palco durante o tempo todo, pestanejar era perder micro-segundos de um espetáculo audiovisual de outro planeta. Em trio (para desilusão de muita gente) Jónsi liderou de arco de violino em punho e deixou-nos entrar no seu mundo cheio de elfos e pessoas invisíveis. Visitámos a vasta discografia da banda através de músicas como “Sæglópur”, “Starálfur”, “Glósóli”, “Vaka”,”Kveikur” ou “Hafsól”. Pareceu-nos que o som estava um pouco baixinho, ou seria pelo facto da nossa mente estar tão longínqua com a combinação visual de paredes de lasers, planos em contra-luz e projecções em 3D?
Limpámos as lágrimas e seguimos para Parquet Courts e que choque térmico! Da neve que cai em Nova Iorque para a chuva que caía na Invicta, o quarteto formado em 2010 deu-nos um valente banho de rock em alta voltagem onde músicas como “Borrowed Time”, “Dust”, “One Man No City” e até uns riffs de Jimi Hendrix camuflados lá no meio se fizeram ouvir “loud and clear!”. Animal Collective encerraram o palco principal da melhor maneira e o primeiro dia de festival para muita gente. Talvez tenha sido o melhor concerto do dia, ou talvez não mas que foi épico lá isso foi. Nota máxima para a decoração de palco mesmo com a chuva a destruir alguns aferes presentes, nada impediu o quarteto de fazer a festa. “Hocus Pocus”, “Gnip Gnop”, “Spilling Guts”, “Loch Raven” e “The Burglars” explodiam em cores variadas que atravessavam uma plateia enorme e espalhavam sorrisos de felicidade genuína. O encore trouxe-nos “Bees”, “Summing the Wretch” e a tão festejada “FloriDada”, toda gente se mexia nem que fosse para sacudir as gotas de água dos casacos. Os resistentes ficaram para dançar ao som de John Talabot que selou o primeiro dia de Primavera Sound.
As camisas às flores invadiram massivamente o recinto para o segundo dia e foi João Vieira, desta vez como White Haus a fazer as honras no palco Super Bock com a companhia de uma plateia simpática que foi reagindo entusiasticamente à música convidativa a dançar do músico que estava a “jogar” em casa. Espreitámos Mueran Humanos e Destroyer que combinaram demasiado bem com o sol quente que nos deixava a marca da t-shirt na pele. Foram os BEAK> a estrear o palco com o nome mais minimalista da história de todos os festivais, um trio liderado pelas melodias do baixo acompanhadas por um baterista e as harmonias de um teclista e apesar das falhas técnicas surpreenderam todos os presentes e deixaram-nos um bichinho na orelha com vontade de ouvir mais. As camisas floreadas dirigiam-se agora a passos largos para o palco principal para receber o legendário Mr. Brian Wilson. Cuidadosamente Brian Wilson foi apresentando cada faixa do Pet Sounds como se estivéssemos a visitar um museu, pormenor este que criou uma simbiose com o público que aplaudia cada vez que o mestre se direcionava a nós. Toda a gente foi feliz naquele recinto, a nostalgia era tão grande que até os mais durões lacrimejaram um pouco. Um singalong em uníssono acompanhado por danças à Vincent Vega (Pulp Fiction), abraços entre amigos e tentativas de ligar aos pais para que conseguissem ouvir um pedacinho daquela “Wouldn’t It Be Nice”. Um concerto que irá perdurar nas nossas memórias para sempre, sem dúvida.
As Savages seguiram-se para dar um concerto novamente impróprio para cardíacos. Agora com dois álbuns na bagagem ouvimos hinos como “I Am Here”, “City’s Full”, “Husbands” ou “No Face” e as novidades de Adore Life como “Surrender”, “The Answer”, “Adore” e “Fuckers”. Um concerto com direito a mosh pit, pessoas a voar e o habitual crowd surf por parte da frontwoman tão carismática. Jehn, Gemma (sem a sua Mustang azul ao peito), Ayşe e Fay foram donas do mundo enquanto estiveram em cima daquele palco com a plateia sempre na mão, mulheres de armas mostraram que a generosidade e a coragem são duas coisas que fazem parte da sua essência.
Atenções centradas novamente no palco principal para recebermos com uma ovação PJ Harvey. A cantora britânica trouxe consigo um grupo de músicos que preencheram e criaram uma bela moldura humana em palco e bastaram meros segundos para nos rendermos a uma voz tão poderosa e profunda como a de Harvey. Sentados ou de pé, em silêncio e de olhos fechados balançámos o corpo hipnotizado ao som de clássicos da vasta discografia e ainda músicas do novo álbum de um dos ícones do rock da década de 1990. Volta sempre PJ!
Seguimos para espreitar Kiasmos um dos projectos do islandês Ólafur Arnalds e Janus Rasmussen e tivemos de ficar até ao fim. Embarcámos na nave espacial que tínhamos na pulseira e fomos até outra galáxia numa viagem sonorizada por uma electrónica minimalista de arrepiar a pele. Do outro lado esperava-se por Beach House, a dupla americana que, ridiculamente baixinho, se fez ouvir num recinto repleto de pessoas desinibidas para cantarem de voz alta as melodias da guitarra de Alex ou os versos da sempre simpática e querida Victoria que fez questão de expressar todo o seu amor pelo público português com uns quantos “We love you!”. A noite ainda só agora estava a começar e o after hours foi no palco Pitchfork com Roosevelt e Black Maddona até o sol voltar a nascer. O Parque da Cidade transformou-se numa autêntica pista de dança e o synthpop do alemão Roosevelt contagiou toda a gente presente. Uma festa sem fim com um palco cheio, corpos que subitamente se esqueceram do cansaço do longo dia e sorrisos de orelha a orelha.
Terceiro e último dia de festival, as despedidas começaram com Manel e Linda Martini a mostrarem que o rock português continua na linha da frente e em excelente forma. Chairlift retornou ao nosso país para nos voltar a encantar com a sua voz eclética e uns dance moves de nota 10. Sem timidez desfilou de vestido branco pelo palco e entusiasmou os atentos do outro lado do palco que aplaudiam e cantarolavam alguns versos mais orelhudos. Os Battles prepararam-nos uma autêntica aula de formação musical, entre contra-tempos e loops desfasados o baterista (que mais baquetas partiu por segundo em todo o festival) roubava todas as atenções. Assim se vê quem sabe compor música complexa e sobretudo demonstrá-la ao vivo, sem truques na manga e com uma energia radioactiva em palco. De França os intemporais AIR foram o grande nome do dia, a dupla trouxe as incontornáveis melodias que nunca se perderam no tempo para reavivarem memórias à muito esquecidas em sonhos. Mais um concerto para registar no nosso diário e riscar o nome da lista das “Bandas para ver ao vivo antes de morrer”. Ainda bem que respirámos fundo antes de Explosions In The Sky pois o concerto foi na íntegra de cortar a respiração. Uma plateia silenciosa recebeu calorosamente o quarteto de post-rock americano e deixou-se levar na maré de lágrimas partilhadas entre praticamente toda a gente. Uns abraçados, outros de olhos fechados e mãos na cabeça com corpos dormentes absorveram cada nota prolongada até ao infinito de uma maneira demasiado intensa. Um momento tão bonito como este resultou num dos concertos mais memoráveis desta edição e deixou qualquer um com o coração nas mãos, enfraquecido. Ty Segall volta ao norte em nome próprio para a destruição total, uma autêntica batalha campal para corajosos e malucos da cabeça. O garage rock psicadélico da Califórnia fez estragos no Porto, crowd surf e moche abusado resultou em dores de costas, nódoas negras e dores nas pernas que nos mantêm as memória de mais um concerto esmagador bem vivas. Os Moderat foram a banda que melhor aproveitou o que o palco lhes ofereceu, começando com a torre que era por si um espetáculo à parte. O trio com raízes na Alemanha a fechar da melhor maneira o palco principal neste último dia de festival, surpreendendo mesmo quem não fazia conta de ter ido ver.
Um pouco por todo o recinto se brindava a um festival que criou memórias únicas, aos amigos e aos novos amigos. Mais uma edição de NOS Primavera Sound que passou e já deixa saudades, fica a promessa de um regresso para o ano. Até lá, que a a festival season seja sempre a melhorar!
Texto: Adriana Lisboa
Fotografia: Lúcio Roque (dia 9, dia 10, dia 11)