Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Seguindo a máxima do químico francês, nada é realmente novo, tudo é uma reinterpretação, uma adaptação, uma cosmética ao elemento inicial. Todavia, gostos, experiências, ou meios condicionam a forma como esta renovação é feita e perspectivada. A mesma ideia, mesclanda com outra diferente, acrescida de técnicas e meios pertences a uma terceira ou quarta, quase como um pastiche sensorial, será de facto o conceito primordial apenas com um rebranding? Ou será uma criação singular, tão única como a primeira? É neste mar de ambiguidades e contradições que os Lavoisier se remetem e singram.

Patrícia Relvas e Roberto Afonso são a dupla por detrás da banda. Ela na percussão, ele nas cordas e ambos na voz, Lavoisier são um grupo de contrastes, que mostra como opostos, não só se atraem, como se tocam e misturam. As harmonias vocais, omnipresentes ao longo do LP, são o ponto alto do trabalho. Ora intercaladas, ora sobrepostas, são estas melodias que preenchem o espectro acústico, deixando que, a espaços, as cordas e mesmo a percussão possam entrar, menos como corpo e mais como retoques, quase arranjos, em músicas já formadas.

Estes jogos de luzes e sombras entre interpretes, com uma instrumentação parca e quase antiga, lembram grupos dos anos sessenta, tais como os The Mamas & The Papas ou os Simon & Garfunkel. Mas não é pela música que este tributo ao passado se fica. Também as letras, originais, tradicionais portuguesas ou interpretações de poetas portugueses, denotam este apreço por tempos já idos, e abrem espaço à mesma adaptação, reinterpretação ou costumização de uma ideia base, que o nome do grupo sugere.

O grupo formado em Berlim, para onde os dois membros emigraram, quiçá em procura de uma vida diferente com mais oportunidades, é mais um caso de artistas portugueses que encontram fora de portas, numa renovada paixão e compreensão pelas suas raízes. Se Benjamim se mudou de Londres para Alvito e conta histórias sobre a Guiné e o Tarrafal, os Lavoisier interpretam Fernando Pessoa (em “Viajar”), José Mário Branco (“Eu não me entendo”), ou renovam música popular portuguesa, como é o caso de “Vira” e “Romance do Cego”.

Neste novo trabalho dos Lavoisier, a guitarra elétrica e a voz de Roberto Afonso são novidades, mas soam mais a crescimento do que a uma remodelação. Vindo da Guarda e Trás-os-Montes, com escala na Alemanha, É Teu, dos Lavoisier, é um álbum que vive e respira Portugal, mesmo que seja uma interpretação de Portugal.

Nota: 7.4/10

Nuno Camisa