Uma série de murais surgiram em Gaia a dizer “Adriano Malheiro Caloteiro” no final do ano de 2018. Esse foi o ponto de partida para David Bruno criar uma narrativa para o seu novo álbum “Miramar Confidencial”. Neste seu segundo trabalho o músico de Gaia não só explora um universo e uma realidade muito própria do que é aquele subúrbio do Porto, mas vai mais longe ao criar um vídeo-álbum que materializa todo este imaginário suburbano e com personagens tipo.

A base do David Bruno são os seus beats e isso sempre esteve presente no seu percurso musical, seja neste formato, no Conjunto Corona ou até mesmo quando colabora com outros artistas. A partir dos beats e de uma pesquisa intensa para encontrar a batida que deseja é que surgem as suas músicas e depois se desenvolve o resto. Os beats nunca iriam funcionar sozinhos, contudo estes são bons beats e com um bom nível de produção. Se fosse um só instrumental o David Bruno nunca iria se destacar. O forte dele é a maneira como constrói todo o imaginário, isso nos dois álbuns que já lançou é que o diferencia. Mesmo percebendo que há toda uma ironia à volta do seu trabalho, este não deixa de ser bem feito e pensado.

No primeiro álbum, “O Último Tango em Mafamude”, Gaia é o ponto de referência. Com este seu segundo álbum isso não deixa de acontecer, mas há claramente outras influências que se misturam. Vemos ali os filmes policiais e de ação dos anos 80, o visual vai ao encontro do Miami Vice ou do filme “Casino” do Martin Scorsese. Há uma clara diferenciação do primeiro álbum para o segundo, que neste caso ficou mais rico e não se esgotou numa primeira instância. O twist deste álbum foi saber criar algo novo.

O tema chave deste álbum é o “Interveniente Acidental” com a participação do Mike El Nite, que refere os negócios toscos, a uma certa cultura de caloteiro e obviamente que vai beber muito à história do Adriano Malheiro. O David Bruno é um beat maker e com o Mike El Nite, que é um rapper, procura alguém que lhe dê o que ele não tem e isso faz este primeiro single tenha uma força diferente. A própria personalidade de Mike El Nite é importante para esta música e isso encaixa bem no que o David Bruno quer mostrar.

Tal como referi anteriormente o vídeo-álbum traz outro aspecto diferenciador, este ano já é segundo vídeo-álbum que vejo (o primeiro foi o “NU” dos First Breathe After Coma) e que realmente enriquece e acrescenta algo à música apresentada. Mesmo os artistas independentes fora de um circuito mainstream conseguem produzir conteúdos audiovisuais de grande qualidade e com baixo orçamento. Neste caso não é só o caso de se conseguir produzir estes vídeos que fazem a diferença, os vídeos desenvolvidos estão pensados e concebidos com um propósito de complementar a música.

Os vídeos são apresentados num tom quase cómico com as tais referências dos anos 80, dos filmes das férias, das roupas e cabelos da altura. A montagem e a edição também faz lembrar muito essa época e é algo com uma estética muito própria. Claro que esse lado cómico é reforçado também em três faixas de interlúdio em que Samuel Úria, Fernando Alvim e Este Senhor falam ao Adriano Malheiro para pedir o dinheiro que lhes deve. Claro que isto só faz sentido se ouvirmos o álbum completo, mas enriquece a história.

As músicas apresentadas estão todas ao mesmo nível e coesas. O álbum funciona como um todo e isso é um dos pontos fortes. Também toda a narrativa tem um fio condutor que nos envolve e que nos deixa com vontade de conhecer melhor a história e as personagens envolvidas. Estes dois álbuns lançados pela David Bruno fazem lembrar também o mundo cinematográfico no sentido o primeiro álbum é o filme original e este segundo é sequela, os dois já são icónicos. Agora esperamos por mais aventuras e novas histórias de um Portugal que tem muito por onde explorar. São músicos como David Bruno que dão colorido à música portuguesa.

Nota: 8.0/10

Rodrigo Toledo