Na minha curta existência, ainda não me foi possível visitar Setúbal, mas conheço três grandes trends: #bocage, #chocofrito e #loosense. Para quem não conhece a última referência, é já parte integrante do património cultural nacional, por força do abraço maternal da mesma cidade que os viu nascer, no âmbito visionário de Pedro Nobre e Diogo Costa. Perante o amargo passo do tempo, aliaram-se à causa Gonçalo Mahú, Diogo Marrafa, João Completo, Zé Zambujo, Iúri Oliveira, Rafael Gil, Rúben Silva e Ivo Rodrigues, de modo a potenciar este deceto de Power Rangers sonoros.

Em 2018, como que por estranha graça do destino, antecipam-nos com graciosa virtude o seu álbum de estreia, Doze, em formato de picada ruidosamente sedutora. Álbum de uma sensualidade maior que o simbolismo do mais impactante cantor romântico de Setúbal (Toy – não menciones o nome dele), esta é a estreia que consegue deferir um tempestuoso e variado golpe ao voraz adepto da sonoridade mais inventiva feita em Portugal. A vibe de “Wide Road” é a abertura certa para nos encaminhar a seguir o rumo da EN10, a um passo da loucura ambígua de um viajante a 200 quilómetros por hora. A dinâmica do saxofone rasgado, o balanço rítmico e o stress de um “quase lá” adormecem-se com “Stroll”,  como uma tal bela prometida nos alinha a direção para a Serra da Arrábida (talvez para chillar sem Netflix), para uma luminosidade distante, um solavanco no imediato, ou até um tempo onde o espaço é demasiado curto, perante toda a amplitude das guitarras.

Faz-se musicalidade e sente-se uma distopia urbana de uma solidão interiorizada no núcleo de um estranho vigor humano e extraordinariamente sobrenatural, que arranha cada nota do piano numa tranquilidade quase tão modesta quanto a nostalgia das reclamações de uma mãe.  O caminho não se disfarça com passagens que já lá vão, importa mais o que vem, porquê e, acima disso, por quem, nas diabruras de “West Ghost”, desde as noites na sétima avenida de Greenwich Village, até aos romances parisienses, tal Miles Davis nos afronta (arrogante e audaz) com essa mesma fantasmagórica sensação de que há algo inovador em cada compasso traduzido na voz dos Loosense. Essa psicose, cirrose múltipla; fígado falha, cabeça à roda e “Brainwaves” entra, pesando-nos a covardia de viajar mais um quilómetro por essa mesma estrada de temores e ânsia. Ainda estamos na EN10 e, na verdade, só viajámos até “Dimensions” que nos eram estranhamente familiares.

Entretanto 2019, Saloon, como uma estreita novidade (maturada), fortalecida por um orvalho noturno e carregado, tal destino pulsante pela vincada dinâmica rítmica, em textura e conteúdo, que se separa em três momentos capitais (“Capitol I, II e III”). Misteriosa vibe dicotómica, tal antítese embrionária em frente ao nascimento de “Flamingo”, por meio de uma conversa provocadora e entusiasmante. Parece-nos ser algo libertador, esta sensação de combater a promiscuidade com um scotch e um charuto dos bons, numa sala onde não há ninguém para nos relembrar que o fumo não é favorável; “Dabox” insinua essa mesma inconsciência que nos agarra ao destino fatal de consumir a lentidão e de sorver o balanço das guitarras gritantes, até ao enquadramento cavernoso, a escuridão, o batucar conservador de um tribalismo cosmopolita, talvez como o sonante cavalgar de uma cidade sem donos, “Tokyo”, num encerramento mole, sonhador, mas vagarosamente sintetizado, onde a as ruelas são mais assustadoras que os sopros que nos amordaçam em “Villain”, até à quebra do mais cintilante grave e da batida quebrada e sinuosa. No fim, esta será apenas mais uma luta contra algo em nós (ou alguém) que nos é incomodativo, mas reconfortante, tal como o solo da guitarra em “Taifa”, ou como a negação constante deste espaço solitário.

Os Loosense despedem-se em tom de guia espiritual, ameaçando-nos com a garantia de serem uma das bandas mais inventivas do nosso panorama, sublinhando-nos que ainda nos encontramos na EN10 e que não há hora prevista de chegada, mas apenas a certeza de que esta será a viagem mais rítmica da nossa vida!

Lécio Dias