Lourenço Crespo assina o seu segundo trabalho com o seu nome. É um disco homónimo, completo e inteiro, com canções para todos os gostos e estilos, de uma pop imaginada em canção. Com a produção de B Fachada, que também toca, e a participação de Sallim (Francisca de nome próprio), uma presença muito marcante, seja nas segundas vozes como nos coros, que contam também com o apoio de Pedro Sousa e João Dória. O lançamento foi feito sem aviso no Bandcamp do artista lisboeta e é o segundo álbum a seguir ao “Nove Canções”, que dista já de há quatro anos. Apesar de ser muito apelativo o disco acaba por ter algumas lombas e desvios que o impedem de ser ainda melhor. É um bom disco, no entanto, e algumas das canções destacam-se naturalmente. Lourenço Crespo, convém recordar, é membro de Iguanas, toca com Éme, 100 Leio, Sallim, Kimo Ameba e a Banda Fetra. É um elemento central da editora Cafetra, a qual se afirmou como essencial durante a década dos anos 10 para música pop independente nacional.
Começaria pela “Vampiro”, canção onde se nota mais a produção de Fachada, a lembrar alguns temas do seu “Criôlo”. O ritmo africanizado marca a canção, bem como os teclados melódicos que vão construindo harmonias belíssimas por trás da voz marcadamente lisboeta de Lourenço Crespo e das segundas vozes de Sallim. A lírica destaca-se também, com frases como “francisca já não sou quem era / tou morto mas vivo / vampiro” ou “Dei-lhe a pauta para cantar / Mas ela nem se guia pelo mapa”, super trauteáveis. O melhor tema do disco reflecte a personalidade do autor, um vampiro que suga a vida e a coloca em formato canção, em pauta lírica. “Pelo pêlo” é mais um destaque e descreve com tristeza e melancolia a perda da companhia de um animal de estimação, mais uma vez teclados a dominar a canção e aquela cadência quase básica de uma caixa de ritmos que apenas serve para acompanhar a aparente apatia dos dias que vão passando. E novamente aquela segunda voz feminina a surgir, a pontuar o refrão e as estrofes. Quase a mesma receita para “Escandaleira”, onde os teclados são substituídos pelos riffs de guitarra.
Somos levados calmamente por estas canções que vão soando bem ao ouvido, um disco que se desenrola de forma muito genuína e singular. “Avalanche”, também nesta primeira metade, é pontuada pelo saxofone de Pedro Sousa que nesta canção acaba por fazer a vez de Sallim. Lírica novamente bem esgalhada: “Alguém me agarre que eu vou saltar / Daquele prédio a’rder”. Uma faixa que é mais um quase freestyle do que uma estrutura clássica de canção. Uma descrição de um rapaz que navega pela cidade, pelo metropolitano, e de “Lágrima Fácil”, tema que acaba sem aviso, mas que nos leva pela mão entre os ritmos que vamos escutando, harmonia benévola, mudanças de tom e trovas bem imaginadas. Pelo meio há mais “Fetra!”, o clássico que regressa sempre de variadas formas, mas desta vez sem ser um ponto alto. Por fim, temos também uma introdução e um interlúdio falados, “Eras tu de certeza”, muito marcado pelo sotaque cerrado de Lourenço, e “Férias escondido”, este último com um canto por cima de uma conversa entre dois amigos durante umas férias no Algarve. Talvez sejam aqueles momentos de explicação para o ímpeto criativo do autor, onde a subtileza das descrições vai surgindo sem um aparente esforço. Serão momentos mais desinteressantes, mas que acabam por ser essenciais para compreender o disco por inteiro.
Lourenço Crespo, com a ajuda preciosa do produtor eleito por muita malta da Cafetra, acaba por editar o disco mais importante da sua carreira a solo — imaginando que seja esse o objectivo de não o intitular — de uma forma tão natural como displicente, no sentido de uma revelação de um certo desinteresse em relação ao que cria. É uma postura nobre e verdadeira, mas que por vezes funciona contra aquilo que se produz. O resultado final é um disco leve, que navega entre o indie e a pop alternativa, sem pretensão e se escuta de uma levada só. Uma boa companhia para uma tarde de sol a ver o rio ou para estar na cozinha a lavar a loiça. Movimentos do quotidiano narrados em melodias. E obviamente uma relação, um romance entre duas vozes que se complementam e cuidam uma da outra como na singela “O teu nome”, mesmo que venham mais animais de estimação e outras viagens de comutação. Afinal “é suposto escrever para quem se não for ela”.