O álbum “Por Este Rio Abaixo” é a verdadeira apresentação ao mundo de Pedro Mafama. O artista lisboeta chega com estrondo e com um figurino muito marcante. Desde 2018, quando lançou o EP “Tanto Sal”, que assumiu uma identidade muito própria e estabeleceu o seu lugar no seio da música independente. Numa época onde cada vez mais se desfazem preconceitos, Mafama pega agora em vários símbolos e ritmos diferentes para criar um imaginário à sua maneira.

O que é para ti a portugalidade? 

A minha portugalidade é uma cultura que engloba em si o conhecimento de imensas culturas. É uma cultura de mistura, é uma cultura que tem tanto a ensinar ao contexto atual do mundo, pelas coisas boas e más. Pelos os encontros bons e os encontros maus que correm nas nossas veias e no nosso sangue.

Ainda há símbolos da nossa cultura por explorar? 

Vai haver sempre símbolos da nossa cultura que se vão relacionar com o contexto do mundo atual. Eu neste disco, na minha música, na minha imagem tento apropriar-me dos símbolos que eu acho que têm alguma coisa de importante. Gosto de ser a pessoa que tira um símbolo da tourada porque sinto que alguma coisa de interessante na cultura dos touros, os movimentos meios femininos do toureiro, a roupa justa, as cores. Há uma certa fluidez de género ali, mesmo que não literalmente. Gosto de tirar essa parte da tourada e deixar a parte que não me interessa e que eu sinto que não tem tanto sentido.

A música é um veiculo para juntar vários mundos? 

Acho que a música é um meio muito bom e imediato para tocar as pessoas instantaneamente. É muito fácil com a música juntar um determinado ritmo com uma determinada cadência de voz e de repente já aproximaste duas culturas que antigamente estavam distantes. Aproximando ritmos folclóricos portugueses de uma melodia de voz afadistada, mas que tem muito do norte de África também, misturar essas batidas com percussão africana. Naqueles três minutos e meio que dura a canção estamos a aproximar culturas que se calhar muita gente achava que estavam distantes.

Achas pode ser gerador de empatia?

Acho que empatia é uma palavra que já implica distância. O meu objectivo não é que nós tenhamos empatia para com as outras pessoas, mas que nós consigamos ver que nós somos feitos de uma mistura. Não é a tolerância pelo outro, pois nós temos todos coisas em comum.

Gostas de deixar na dúvida as pessoas que ouvem a tua música?

Não gosto de mensagens muito directas. Gosto de juntar dois elementos e criar uma faísca com essa junção. Gosto de juntar dois elementos que não têm um lugar juntos, mas juntá-los e fazer-te perceber que se calhar há uma ligação. Gosto dos dípticos e dos trípticos. O que é que acontece quando metes as fotografias da Umm Kulthum, que é uma cantora clássica egípcia, e da Amália lado a lado. As diferenças começam a esbater-se, a Umm Kulthum era uma das cantoras favoritas da Amália e a própria Amália tinha arabescos na voz e nas guitarras que a acompanham. Pondo estas figuras lado a lado a tua cabeça vai encontrar pontos em comum. Mas eu não vou dizer quais é que são, prefiro que tu adivinhes e penses nessa relação.

É importante desconstruir a nossa identidade para combater preconceitos? 

É sempre importante descontruirmos a nossa identidade, descontruirmo-nos a nós mesmos e pensarmos um bocadinho de onde é que viemos, quem somos por onde queremos ir. Combater preconceitos é um resultado de olhar com honestidade para as coisas e de uma introspecção a fundo, daí vai sempre uma compreensão pelos outros, porque os outros não são diferentes de nós, são iguais.

O que foi mais difícil na produção deste disco?

O que demora mais tempo é encontrar o assunto, não é assunto de cada música, mas o assunto do disco. Acho que demora algum tempo até conseguires ter uma visão geral, até encontrar uma linha condutora que justifique as músicas todas e que dê sentido ao que está dentro do disco. Pois a partir daí é juntar os pedaços e compor a pintura.

Este álbum é o teu grito do Ipiranga?

Acho que não porque eu já me libertei há algum tempo atrás quando comecei a fazer música. O meu grito do Ipiranga foi há três anos quando lancei o Jazigo e quando percebi que ia mesmo conseguir fazer música, que tinha alguma coisa para dizer, que as pessoas gostavam da visão que eu tinha sobre o mundo, que se calhar eu conseguiria fazer vida dessa visão.

Qual a principal mensagem que queres passar com este disco? 

A principal mensagem que eu quero passar é a minha visão acerca da cultura portuguesa e da música portuguesa. Neste momento estou a fazer música por isso estou a passar a minha visão. Estou a tentar dar a minha curadoria dos elementos da nossa cultura que eu sinto que são importantes e relevantes para o presente e para o futuro e ao mesmo tempo estou a deixar de lado os elementos que não têm tanto sentido no presente e no futuro.

Para ti o reconhecimento é importante?

É importante sentir que estou a tocar nas pessoas e que não estou a falar só para duas ou três. É importante saber que estou a abanar as águas, quero que a minha música chegue ao taxista, ao merceeiro, ao político, ao advogado, ao artista e à pessoa que está a servir copos durante a noite toda. Quero que a minha música chegue a toda a gente.

Rodrigo Toledo