O que é preciso para ter uma “carreira” na música pop em Portugal? Sem querer ser muito extensivo na resposta: persistência. Rapaz Ego é Luís Montenegro, um rapaz do Norte, que se fez homem e produtor, ser humano de muitos instrumentos e facetas, uma voz até aqui menos reconhecida na música portuguesa. Mas isso está prestes a mudar! Conhecemos Luís Montenegro primeiramente através da sua banda, os Salto! Quando começaram ainda tinham este ponto de exclamação no nome, como se fosse mesmo uma afirmação exclamativa. O primeiro disco, de uma pop electrónica saltitante, passe o pleonasmo, foi editado já em 2012 pela extinta Amor Fúria, e com o seu primo Guilherme Tomé Ribeiro, agora também conhecido como GPU Panic, Luís aventurou-se nas edições discográficas e na música. Desde então, já fez mil e uma coisas: editou dois EPs como Rapaz Ego, ‘Gente a Mais’ e ‘Rapaz Ego Canta Durante la Siesta’, e mais uma mão cheia de singles, três discos com a banda Salto e outra mão cheia de produções para outros músicos e autores. Então porque é que Rapaz Ego parece ser algo novo e refrescante?
A razão é mais simples do que parece, a persistência, a insistência e a força de vontade movem montanhas e é com ‘Vida Dupla’ que Rapaz Ego se afirma definitivamente como um nome poderoso na pop cantada em português, com potencial de mover multidões. O disco é construído sobre uma narrativa em que cada capítulo tem a sua própria história. Tudo para explicar o nascimento deste alter ego de Luís Montenegro. Mas é sobretudo na potência e na qualidade da produção que o disco assenta: orquestrações quase barrocas, com coros a explodir, curvas e contracurvas melódicas e ritmos sempre em mudança. Oiça-se a peça mais psicadélica do álbum, “Crime em Tânger”, baixos vibrantes logo a começar a canção, sintetizadores com melodias suavemente arábicas e uma entrada directa para o refrão “Quero que fique bem claro / Rapaz Ego me salvou a vida”, um verso curto e uma fritaria boa com guitarras a responder aos ganchos bem imaginados por este Rapaz que justifica plenamente o seu Ego. Depois a canção acalma, ouve-se uma guitarra acústica que é acompanhada por castanholas e por uma voz feminina (Madalena Tamen) e voltamos ao riff inicial, ao baixo vibrante e tudo termina em mistério e sedução. Antes já tínhamos escutado a “Grão Mestre”, confirmando a valência de produtor de Luís Montenegro, pop com verve sobre camadas e sons vintage do fim da década de sessenta do século passado, mas em esteróides. A fazer lembrar Kevin Parker! Sim, esse mesmo.
“Vida Dupla” é um disco que contém o single com o mesmo nome, que já conhecíamos desde 2019, uma canção com um ritmo mais lânguido e que já deixava antever o potencial de um longa duração, adiado há demasiado tempo. E quem faz canções assim, com teclados a sustentar as melodias e os refrães super trauteáveis, pode perfeitamente legalizar a morfina e coser as próprias feridas. E o que dizer da “Quero Tanto”, single orelhudo que invadiu as rádios mais alternativas com a mesma facilidade de uma faca quente a cortar manteiga, a voz humana em todo o esplendor, normal ou em falsete, coros sobre coros, teclados sintetizados novamente, uma das canções com mais ginga do ano. Como se ainda existisse espaço para afundar as mãos nos fundamentos de uma boa canção pop como ela foi inventada há mais de cinquenta anos e torná-la moderna e actual. “Se nunca deu jeito / porque é que eu quero tanto?”, também não sabemos, mas que nunca te falte esse querer, Luís.
O resto do disco nunca atinge o mesmo nível destas primeiras quatro canções que iniciam o álbum, também não seria fácil manter esse nível exímio. “Que Isto Sirva” é canção dedilhada à guitarra ao início para depois entrarem os tais arranjos orquestrais mais para o final; “Ponto Cruz” é um single de outros tempos, que agora até parece um pouco deslocado no álbum; E “Antero” retoma o fulgor do início do disco, apesar de ser uma canção ligeiramente “colada” aos colegas da editora actual de Rapaz Ego, os Capitão Fausto. Uma boa canção para terminar um disco que talvez pedisse ainda mais, mas que cumpre bem a afirmação autoral de Luís Montenegro, assumindo-se totalmente em “nome próprio”. Um nome entre muitos (Zarco, Reis da República, Ganso, Capitão Fausto, Luís Severo, entre outros) da casa mãe Cuca Monga, sem dúvida o maior viveiro do momento de bandas pop/rock portuguesas. Que esta ‘Vida Dupla’ continue a persistir muito tempo e que venham mais canções e discos assim!