É um espectro dançável, jazzístico e ameno que abraça a calmaria com que os Perpétua agarram os que se disponibilizam a ouvir o seu trabalho. Diogo Rocha, Rúben Teixeira e Xavier Sousa cruzaram-se na Gafanha da Nazaré e, por ordem do destino, Diogo viria a conhecer Beatriz Capote na escola secundária, sendo estes os elementos que integram a formação de Perpétua.
A sonoridade encontra-se a meio passo com uma dinâmica constantemente pulsante, vibrante e animada, procurando uma certa dormência nos vocais de Beatriz. A palpitação entre o disco e o indie conduzem a uma inventiva interpretação da música portuguesa, sem rodeios nem prejuízos; apenas pura motivação sonora que não permite que ninguém se desinteresse por uma abanar de cabeça ou pelo pezinho a bater no chão ao ritmo da expressiva marca rítmica que define a banda.
Em 2020 lançaram o primeiro single de apresentação daquele que viria a ser o seu álbum de estreia, Esperar Pra Ver, editado no presente ano; o aclamado single intitulado “Condição”, é uma ode às melhores guitarras abrilhantadas com os Chorus mais bonitos. A simplicidade do tema é uma vitória inegável, que ao reduzir os dedilhados a uma prazerosa relação entre o baixo rítmico e a bateria à conquista do devaneio, permitem aos vocais rasgar-se num vício auditivo que nos acorrenta à lírica eficiente e bem conseguida. Os refrões (a par do sintetizador etéreo) acomodam a alma de qualquer um que se atreva a descobrir os elementos que caracterizam a perpétua mais bonita. Como referido anteriormente, em 2021 é editado o primeiro longa-duração da banda, “Esperar Pra Ver”, que se define como um bilhete de afirmação no espetáculo que é o ecossistema da música portuguesa.
Talvez numa perspetiva de novos valores em ascensão, a insubordinação dos Perpétua arranca (automaticamente) com o tema “Perdi a Cor”; atiçado, movediço e expressivo, aprisiona a graça de qualquer carrancudo/a que se impeça de sorrir ao pensar no amor miúdo que nos impede de prosseguir o dia sem parar para respirar em contramão contra a jornada do desamor. É bonita essa dançante mensagem que rapidamente nos transporta para o funk mimoso de “Manhãs Longas”, ou para o riff (na minha opinião) mais airoso do álbum (a meu ver, na calha de Legião Urbana ou até mesmo de um Johnny Marr apaixonado e amolecido pela espera). O analgésico para as “Dores de Cabeça”, amargamente relaxante e existencialista, assume a tranquilidade enternecida com que a banda nos vai envolvendo, mesmo em temas animados como “Lugar” ou “Blockbuster”, há um carinho subjacente à ruína da lírica amorosa e humana; como se um erro fosse roxo ou púrpura, mas sempre causa de uma sujeição à vida de uma só razão: a de ser apenas o que sempre lhe é inerente: rotineira, questionável, mesquinha (até), mas merecedora de ser vivida (a extremos mansos ou a castos passos do piloto semiautomático).
“Falei de Cor” é o tema que mais me desperta interesse em todo o longa-duração, por força da brutalidade das distorções, da figurativa impressão minimalista nas rajadas cavalgantes da bateria e do sintetizador, sem perder a dissonância significativa e potenciada pela própria presença do chorus nas guitarras, fazendo-se acompanhar de uma letra ambiciosa ao nível de um absurdista ambicioso, elevando-nos ao crescendo espiritual em que o estalo de “Brisinha” nos relembra que Perpétua é algo delicado, atento às experiências do quotidiano e à emergência em sonhar um pouco mais do que ontem; talvez porque amanhã é já um dia a mais para cada um de nós… ou no fosse a condição do estado perpétuo à rotina e à convivência o custo mais valioso para cada filósofo em part-time.
Lécio Dias