O primeiro dia de NOS Alive ’23 estava esgotadíssimo e tinha duas motivações maiores: Red Hot Chili Peppers (RHCP) e The Black Keys – e eram as iniciais dos primeiros que davam cor à maioria das t-shirts do recinto. Este dia reuniu nomes para públicos bastante distintos, pelo que a nossa visão está longe de ser completa. Red Hot Chili Peppers e The Black Keys tiveram momentos de verdadeira mestria musical em palco, enquanto Puscifer proporcionaram surpresa pela dedicação cénica. Nos palcos secundários, Spoon e Men I Trust aqueceram os corações indie, acelerados à taquicardia com Club Makumba. Em âmbito exploratório, ouvimos Homem em Catarse, Ana Lua Caiano, Marta Lima e Bombazine.


Há anos que o NOS Alive ganhou o estatuto de primeiro dos nossos queridos festivais de Verão da zona de Lisboa. Uma casa perto de casa, que toma partido da dimensão do espaço, grande o suficiente para permitir vários palcos, e não grande em demasia, mantendo-nos a coragem de o palmilhar de lés a lés incontáveis vezes, ao longo dos dias de festival.

Foram mais de 110 os artistas que deram vida aos sete palcos: NOS, Heineken, WTF Clubbing, Coreto, EDP Fado Café, Comédia e o próprio pórtico de entrada. Tal proporcionou naturalmente a sobreposição de espectáculos e obrigou a algumas decisões difíceis por parte de quem queria fazer bingo na sua lista de concertos. Paralelamente, a RTP transmitiu muitos dos espectáculos que iam acontecendo no NOS Alive ’23, alguns inclusivamente em directo, levando este festival até quem não teve possibilidade de se deslocar ao passeio marítimo de Algés.

A Punch Magazine participou nos três dias de festival NOS Alive ’23 e traz-vos agora, ainda de pés doridos e coração a palpitar, os momentos que mais nos marcaram.

Bombazine

Os Bombazine estrearam a tenda gigante que é o palco Heineken pelas 17h, com o EP de estreia Grã-Matina no bolso, e bonés do tecido que o nome da banda exige. Se tivéssemos de definir a onda Punch, íamos facilmente beber a sonaridades como as desta banda que ganhou o seu bilhete de entrada ao vencer o festival Oeiras Band Sessions de 2023, com músicas que são do indie rock e também do indie pop. Na sua primeira actuação num festival de renome, os Bombazine deixaram o nervosismo nos bastidores e entregaram uma performance competente, da qual destacamos “Tábua Rasa”.

Marta Lima

O palco Coreto, curated by Arruada, ganhou este ano uma nova localização, que lhe retira alguma da peculiaridade de nicho escondido, e ganha ao trazer visibilidade para uma maior quantidade de público.

A voz doce de Marta Lima abriu as hostes deste palco, acompanhada por três músicos no Coreto. Apresentou o seu primeiro EP, Murmúrio, permitindo-nos apreciar a delicadeza com que pronuncia as palavras das suas letras, talvez fruto dos seus estudos jazz no Hot Clube de Portugal. Marta Lima e a sua banda preservaram as características acústicas e intimistas das músicas, e destacamos como maior o momento de “Casa do ilhéu”.

Ana Lua Caiano

O novo single de Ana Lua Caiano chama-se “Dói-me a cabeça e o juízo” e isso foi precisamente o que não aconteceu neste primeiro concerto do palco WTF Clubbing. Numa viagem do tradicional para o electrónico, Ana Lua Caiano apresentou-se maioritariamente em formato one woman show, acompanhada pela sua loop station, um bombo e um teclado. Como convidado surpresa para um par de músicas teve o baterista Fred, que permitiu a Ana concentrar-se mais na voz, dando a bateria um bom tom ainda mais cru às suas músicas.

A tenda que cobre a plateia deste palco foi-se preenchendo à medida que Ana Lua Caiano partilhava connosco a sua fusão de coros e harmonias com batidas de bombo. Ana Lua é extremamente expressiva e sempre irrequieta, dentro do metro quadrado da sua mesa de trabalho do qual não foge. Impossível não bater o pezinho e repetir as frases mais orelhudas, como “Mão na mão, mão no pé, pão na boca, pé no chão”. O álbum mais recente chama-se Se Dan​ç​ar É Só Depois e está disponível desde Maio.

Homem em Catarse

Afonso Dorido é o multi-instrumentista que, desde 2013, se apresenta como Homem em Catarse. A audiência bastante composta do palco Coreto pode mergulhar de cabeça nas composições crescentemente elaboradas por este loner de funny socks e sapatos estilo Doc Martens em palco.

“O tempo vem atrás de nós e não estamos a saber lidar. Cada segundo parece que é demasiado quando se vive na sociedade do tédio do excesso de tudo, menos do tempo e da disponibilidade para o viver, por inteiro.”, diz-nos o bandcamp de Homem em Catarse, sobre o seu trabalho mais recente. Revimo-nos bastante nestas palavras, e tivemos uma oportunidade ímpar de escapar a este fado neste curto concerto, que pintou as músicas com algumas palavras, mas essencialmente nos transportou no turbilhão de camadas atmosféricas criadas ao vivo por Afonso. A última música foi “Guarda”, do trabalho Viagem interior – a derradeira deste álbum, a propósito.

Men I Trust

Roubamos ao programa especial da rádio Radar a definição de que o palco Heineken do NOS Alive nos permite ver algumas bandas “no momento certo”, pois também nos conseguimos lembrar duma série de ocasiões em que tal aconteceu. Men I Trust foi mais uma delas. A banda nasceu em Montreal, Canadá, em 2014, e estreou-se com um álbum homónimo. Para além deste, os Men I Trust já editaram três LPs, do qual destacamos o mais recente, Untourable Album. Em palco, a voz delicada de Emmanuelle Proulx coroou uma banda de cinco músicos extremamente competentes, na estreia da banda no festival.

Club Makumba

Atravessámos a curta distância até ao WTF Clubbing para rever os portugueses Club Makumba. O quarteto é formado por Tó Trips na guitarra, João Doce na bateria, Gonçalo Prazeres no saxofone e Gonçalo Leonardo no baixo e contrabaixo.

Lançaram no ano transacto o homónimo álbum de estreia e em palco proporcionam uma vertiginosa viagem experimentalista, na qual nem sempre está claro o que é pensado e o que é improvisação – e, neles, está tudo bem assim. Se foi Gonçalo Prazeres quem interagiu mais com o público, foi João Doce quem impôs a transpiração, com o ritmo alucinante na bateria. Provaram-nos que, mesmo à luz do dia, os Club Makumba exorcizam até demónios que não sabíamos ter.

Puscifer

A voz inconfundível de Maynard James Keenan começava a ouvir-se no palco NOS. O agora vocalista dos Puscifer acompanhou a adolescência de muitos em bandas como os A Perfect Circle e Tool. Puscifer apresentaram um espectáculo bastante cénico, que incluiu desde pequenos vídeos entre músicas, a dançarinos que pareciam roubar ginga ao protagonista do vídeo de “Lonely Boy”, extraterrestres e sabres de luz. Os elementos da banda vestiam-se de forma solene, todos de fato e gravata pretos e camisa branca, e maquilhagem e cabelos exuberantes. Mesmo para quem não conhecia os quatro álbuns de estúdio da banda, a actuação com vozes de Maynard e Carina Round foi magnética e, segundo a AI, havia uma probabilidade grande de agradar a fãs de Red Hot Chili Peppers.

The Black Keys

Os norte-americanos The Black Keys regressaram ao passeio marítimo de Algés nove anos depois, e eram um dos concertos mais aguardados do festival. A banda é liderada por Dan Auerbach e Patrick Carney, dois amigos de infância que colaboram há mais de 20 anos e já lançaram onze álbuns. A visita chegou sob mote do Dropout Boogie (2022), um álbum com dez músicas, escrito no espaço de dez dias.

Em palco a banda foi relativamente discreta, ainda que denotassem estar a usufruir do que faziam. Interagiram em momentos com o público, devoto ao ponto de cantar as músicas de fio a pavio e tão imerso nas músicas que parecia alheio ao desequilíbrio no volume dos instrumentos.

O álbum mais recente da banda apenas ofereceu uma música ao alinhamento desta noite: “Wild Child”. O concerto bebeu essencialmente de Brothers (2010) e El Camino (2011), despindo deliciosamente “Everlasting Light” numa versão mais calma, quase irreconhecível, e mantendo outras iguais a si próprias, como “Gold on the Ceiling”. Os movimentos de dança propositadamente desajeitados de “Lonely Boy” estavam reservados para último suspiro, lembrando-nos a importância da recência.

Red Hot Chili Peppers

Os californianos Red Hot Chili Peppers (RHCP) são familiares a quase todos nós, de uma forma mais ou menos presente. Nasceram enquanto banda há 40 anos, e em 2022 lançaram dois álbuns: Unlimited Love e Return of the Dream Canteen. Os quatro nomes maiores da formação actual são todos eles personagens inconfundíveis: o vocalista Anthony Kiedis, o baixista Flea, o baterista Chad Smith, e o guitarrista John Frusciante (que recentemente reintegrou a banda, 14 anos depois). Os Red Hot Chili Peppers eram o indiscutível cabeça de cartaz do primeiro dia do NOS Alive ’23, e o espectáculo desta noite exigiu onze camiões de equipamentos exclusivamente para a banda.

O concerto começou pelas 23h30 e durou cerca de 90 minutos, preenchendo totalmente de público a área reservada à plateia do palco NOS. Discussões de se foi ou não o melhor concerto de RHCP à parte, acreditamos que a setlist escolhida para esta noite conseguiu preencher algumas das medidas do público. O concerto começou com uma sequência de clássicos: “Can’t stop” e “Universally Speaking”. Foram, aliás, muitos os clássicos ao longo do concerto, como “Californication”, “By the way” ou “Give it away”, que co-existiram com quatro músicas de Unlimited Love (2022), distribuídas ao longo do concerto.

Os namoros entre a guitarra de Frusciante e o baixo Flea proporcionaram dos melhores momentos do concerto, e as intervenções de Kiedis foram na quantidade certa. Ficou-nos na memória a enigmática última, que traduzimos livremente: “Aconteça o que acontecer, teremos, teremos esta noite passada juntos para sempre”.

Spoon

Ainda nos faltava um concerto no leque da primeira noite. Com uma audiência consideravelmente mais reduzida, os Spoon actuaram no palco Heineken pouco depois da uma da manhã. A banda já tem quase 30 anos de palco, trouxe o mais recente Lucifer On The Sofa, e demonstrou estar totalmente confortável com as suas músicas e o seu público. Este, aliás, não acusava minimamente as horas de festival, e dançava e cantava as músicas como se estivesse perante um concerto intimista.

O frontman Britt Daniel oscilava com bastante naturalidade entre a voz, a guitarra, e as mensagens para o público. “The underdog” reteve ao vivo a referência a Beatles, via pandeireta, guitarra e nível de euforia. O hino de rebeldia “The Way We Get By” manteve a frescura de quando o ouvimos pela primeira vez. “I Turn My Camera On” trouxe o falsete malandro sobre o groove da alternância entre duas notas no baixo que podia ser a assinatura do indie rock dos anos 2000. Mesmo músicas mais recentes como “The Hardest Cut” foram bem recebidas pela audiência.

Fomos de coração cheio para casa, com este primeiro dia.


A Punch Magazine participou nos três dias de festival NOS Alive ’23. Acompanhem-nos nas reportagens do segundo e terceiro dias.

O NOS Alive ’24 acontecerá dias 11, 12 e 13 de Julho, e ainda não tem artistas anunciados.


Texto: Andreia Duarte
Fotografia: Everything Is New | SARAHAWK