O segundo dia de NOS Alive ’23 permitiu-nos reapreciar os Arctic Monkeys e testemunhar a estreia da super estrela Lizzo em Portugal. Os IDLES deram-nos uma aula de punk e o Jorge Palma de piano, e de vida. Com os Sylvan Esso aproveitámos para dançar.

IDLES

Foi debaixo dum sol abrasador que o público recebeu no palco NOS o regresso dos IDLES ao NOS Alive, desta feita promovidos ao palco principal. Suspeitamos que estes ingleses são incapazes de dar maus concertos, e que deixam sempre os seus fãs em poças de suor tão acentuadas como as suas, tal é a simbiose entre a banda e a descarga de energia que transmite para a plateia. Perante um público que, na sua maioria, aguardava ansiosamente o concerto de Lizzo, os IDLES mantiveram-se iguais a si próprios, deram uma aula de punk, passaram as mensagens políticas e usaram vernáculos tanto quanto lhes apeteceu.

Os IDLES têm como frontman o vocalista Joe Talbot, e cada um dos elementos, para além de Joe, são também protagonistas, o que é relativamente raro. Joe Talbot, neste dia, usou uma fita de ginástica na cabeça que contrastava com a seriedade da camisa justa, e esta última foi progressivamente mudando de cor à medida que a aula de ginástica punk progredia. Saltou, correu no lugar, gesticulou, esbofeteou-se, e fez-nos temer pelo cabo do microfone por mais de uma vez. Lee Kiernan, à guitarra, arriscou o seu habitual crowd surfing sobre o público em “Car Crash”, apanhou um susto na descida mas, graças à prática de mergulho, sobreviveu e regressou a palco. Mark Bowen, de farto bigode, cabelo comprido e, nesta tour, sempre com vestidos, dividiu-se entre várias guitarras invejáveis e apoiou Joe nos vocais sempre que pode. Adam Devonshire concentrou-se no baixo, sóbrio, e foi abanando as ancas compassadamente ao longo do concerto. Dentro desta banda, será Jon Beavis, competente na bateria, o mais discreto?

“Olá, está bom?”, perguntou-nos Talbot, de forma bastante convincente, entre as duas primeiras músicas. Esteve, sim. Mesmo quando tentaram um “get low” e o público não correspondeu totalmente. Generosos que são, disseram “you’ve been f*ing magic” mais para o final do concerto, ainda assim.

As letras das músicas dos IDLES merecem uma leitura atenta, e há muita revolta social presente nestas. Desde “Mother”, sobre a mulher trabalhadora, a “Danny Nedelko”, uma homenagem aos emigrantes, ou “I’m Scum”. O concerto de cerca de uma hora terminou com a música definida pela própria banda como anti-fascista: “Rottweiler”.

Lizzo

O NOS Alive também é fazer opções improváveis para a Punch e, perante a enchente impenetrável de Tash Sultana, que já tínhamos visto ao vivo em 2019, assistimos à estreia de Melissa Viviane Jefferson, vulgo Lizzo, em Portugal. O concerto começou pela 20h50. Lizzo trouxe-nos roubas exuberantes (e outfit changes) e muitos dançarinos com coreografias perfeitamente coordenadas. Artista coroada com inúmeros prémios maiores, Lizzo fez jus às expectativas de entretenimento com esta performance de pop que é também R&B.

“Cuz I Love You” a abrir pôs imediatamente os pontos nos i’s quanto às capacidades vocais de Lizzo, dúvidas existissem. Seguiu-se a divertida “Juice”, que não ficou alheia aos movimentos de ginástica aeróbica do videoclipe, entre Lizzo e dançarinos. Aliás, era quase crime desviar os olhos do palco, tal era a quantidade de coisas a acontecerem, desde os vídeos de suporte até ao movimento constante dos elementos, ou a aparição de flautas transversais.

Lizzo confirmou-se como extremamente cativante nas suas mensagens de empoderamento. Interagiu bastante com o público, reagiu a uma série de cartazes das primeiras filas, e até um inesperado “Happy birthday my dear friend” houve na apelidada pela própria como Queen Lisbon. “I Love You Bitch” proporcionou mais uma oportunidade de Lizzo demonstrar as suas capacidades vocais e, minutos mais tarde, de transformar a plateia numa pista de dança. Perderíamos o final do concerto com “About Damn Time”, mas eram 21h45 e o relógio e a alma portuguesa chamavam-nos para o palco Heineken.

Jorge Palma

Foi na segunda noite de NOS Alive ’23 que pudemos confirmar que a voz de Jorge Palma merecia ser património imaterial deste país. Entre clássicos como “Dá-me Lume”, “Estrela do Mar” ou “Frágil”, e músicas do seu álbum mais recente VIDA, Jorge Palma entregou-se ao piano, à guitarra, e, também, ao público que dedicadamente entoava as músicas consigo.

Todo o concerto foi uma consagração deste amor que ultrapassa gerações, e que deu palco também a quatro músicos exímios que, com, Palma deram corpo à maioria das canções. São eles João Correia na bateria, Nuno Lucas no baixo, Vicente Palma nos teclados e acústicas e Pedro Vidal na guitarra e direcção musical. Foi um privilégio assistir da primeira fila à mestria de Jorge no piano, os dois fundidos num só, íntimos, deixando-nos se não a rir, a sorrir descaradamente.

Lançado em Abril deste ano, VIDA, que emprestou algumas músicas a este concerto, é o primeiro álbum de originais de Jorge Palma em 12 anos. Reúne dez canções que foram surgindo em diferentes ocasiões, e tem na homónima “Vida” o primeiro single, também ouvido nesta noite. Este diluiu os quatro músicos de suporte entre a luz e fumo e trouxe Palma ao centro do palco, de guitarra clássica. Seguir-se-ia “Encosta-te a mim”, com o público a cantar a letra quase por inteiro.

Usando as palavras do mestre Palma, “Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.”

Arctic Monkeys

Pelas 22h45 começou o concerto dos também ingleses Arctic Monkeys, e começamos por dizer que sentimos que estes se entregaram ainda mais ao público do que na sua última visita.

O palco caracterizava-se por tons sépia, muito alinhados com a estética e indumentária da banda, as camisas de golas exageradamente bicudas, as calças à boca de sino, as cowboy boots, o cabelão e os óculos escuros aviator de Alex Turner – apesar de a noite os já não exigir. Por detrás da banda, o palco exibia um halo gigante que, ora mostrava o detalhe dos músicos, ora desmultiplicava Alex num eco de si mesmo, em efeitos interessantes que remetiam ainda mais para décadas idas.

Nesta noite os Arctic Monkeys passearam confortavelmente entre músicas mais e menos recentes. “Sculptures of Anything Goes”, do álbum The Car (2022), abriu a noite, e o público demonstrou já a conhecer bem. Seguiam-se duas com mais estrada, “Brianstorm” e “Snap out of it”. Foi depois de “Crying lightning”, a quinta música da noite, que Alex Turner se dirigiu ao público pela primeira vez, abandonando os óculos escuros para atacar a energética “The View From The Afternoon”.

Até pode ser um esforço pensado, este da interacção que Alex tentou mais neste concerto do que em anteriores, mas resultou. Não se trata de avaliar o concerto somente por esse vector, antes sentir que esse é o sintoma visível do crescimento dos Arctic Monkeys, da interiorização das personas que assumiram nos registos mais recentes. Até da contemplação, como aconteceu em “Cornerstore”, que se prolongou e teve espaço para um coro a solo do público, e uma tirada sarcástica de Alex, completando a última frase da música “You can call me anything you want” com um esboço de “… but I won’t do that”, citando Meat Loaf.

As palavras de “Why’d You Only Call Me When You’re High?” continuam a caber à pele no refrão da música, e haveria ainda espaço para “Fluorescent Adolescent”, mais contida do que a versão original, ou “505”, pelo meio de brincadeiras com o suporte do microfone, solos de guitarra e coros competentes da banda.

O concerto ultrapassou os 90 minutos, e teve direito à pausa táctica para um encore (será digno desse nome?) que trouxe um trio ímpar: a melosa e esta noite despida “I Wanna Be Yours”, a pouco amiga das nossas ancas “I Bet You Look Good on the Dancefloor” e a pouco sã para as cordas vocais “R U Mine?”.

Sylvan Esso

Não fosse o público precisar de expurgar os demónios do fim do concerto de Arctic Monkeys, o palco Heineken oferecia a dupla americana Sylvan Esso, a partir das 00h20. Esta é formada por Amelia Meath na voz e Nick Sanborn na produção, e já editou quatro álbuns. O concerto convidava à dança permanente, entre as batidas inebriantes e os movimentos gingões da vocalista.

“Hey Mami”, o seu single de estreia, foi bastante especial. Em “Coffee” observámos alguns fãs a entoarem as palavras da letra, “get up, get down”, de esgar apaixonado. Amelia mostrou-se embevecida com a reacção do público nesta estreia em Lisboa e prometeu que voltariam assim que possível.


A Punch Magazine participou nos três dias de festival NOS Alive ’23. Acompanhem-nos nas reportagens do primeiro e terceiro dias.

O NOS Alive ’24 acontecerá dias 11, 12 e 13 de Julho, e ainda não tem artistas anunciados.


Texto: Andreia Duarte
Fotografia: Everything Is New | João Silva